quinta-feira, 17 de abril de 2008

Efeitos indirectos das alterações climáticas na saúde e no ambiente

Os principais efeitos indirectos das alterações climáticas prendem-se com a alteração da qualidade da água, diminuição da água potável disponível, subida do nível médio do mar, aumento das doenças de origem hídrica e da área alimentar, aumento dos fenómenos de poluição atmosférica, alteração da distribuição geográfica de vectores de agentes que podem provocar doenças, diminuição da produtividade agrícola e efeitos sócio-económicos.


Ao nível da água potável disponível para consumo humano, prevê-se uma diminuição das suas reservas motivada pelo aumento dos períodos de seca e da sua severidade. Por outro lado os fenómenos de poluição fazem-se sentir com maior equidade em virtude de o meio hídrico possuir menor capacidade de auto depuração e menor capacidade de oxigenação. As cheias contribuirão para o arrastamento de inertes e de pesticidas, hidrocarbonetos e outros poluentes para o meio hídrico e facilitarão as contaminações cruzadas entre as redes de esgotos as redes de água potável, em virtude de o índice de roturas aumentar e permitir uma maior contaminação.

Alguns eventos climáticos podem alterar a qualidade da água e por consequência levar à contaminação dos alimentos e provocar surtos de doenças de origem alimentar (frutas e vegetais podem ser contaminados por patogénicos presentes na água, como Cyclospora e Cryptosporidium spp).

As doenças de origem hídrica, como as doenças diarreicas, e a cólera, tenderão a aumentar, assim como as doenças de origem alimentar, (as salmoneloses aumentarão 5 a 10% por cada 1ºC de aumento da temperatura, desde que a temperatura ambiente seja pelo menos 5ºC). Foram registados mais casos de toxicoinfecções alimentares durante verões anormalmente quentes, quer no Reino Unido quer na Austrália. A falta de higiene e de controlo de temperatura, desde a produção até ao consumidor final, pode interagir com as alterações climáticas permitindo o crescimento de patogénicos.

Por outro lado, em países temperados, o clima mais ameno e os Invernos mais suaves aumentarão provavelmente a abundância de moscas e outras espécies de pragas durante os meses de Verão.

As alterações climáticas podem aumentar a exposição do homem a toxinas naturais. Temperaturas globais mais quentes podem aumentar a exposição humana a cianotoxinas quer através do abastecimento de água para consumo humano quer através das águas recreativas. Mares mais quentes poderão levar também ao aumento dos casos de intoxicação humana por bivalves. De modo semelhante a produção de micotoxinas, como as aflatoxinas, poderá aumentar, já que estas são produzidas por fungos que crescem em cereais armazenados, em condições de calor e humidade elevados.

Os surtos epidemiológicos associados a doenças de origem hídrica ocorrerão com maior frequência devido à Escherichia coli, Salmonella, Campylobacter, etc…, sendo os países pobres os mais susceptíveis a estes fenómenos, devido em parte à falta de infra estruturas de saneamento básico, ao défice no tratamento da água e no correcto encaminhamento e tratamento das águas residuais. As crianças serão o principal grupo de risco.

A subida do nível médio do mar entre 10 e 88 cm até ao ano 2100, afectará as zonas costeiras, aumentando o risco de cheias (1/3 da população Mundial vive em áreas até 60 km da linha de costa), assim como aumentará o risco de intrusão salina e aumentará a percentagem de água insalubre.

Os fenómenos de poluição atmosférica tendem a aumentar com a ocorrência das alterações climáticas. Por cada grau centígrado de aumento de temperatura devido à emissão de dióxido de carbono (CO2) corresponde a um aumento de 1000 mortes associadas aos fenómenos de poluição nos Estados Unidos.

O dióxido de carbono (CO2) emitido para a atmosfera contribui para o efeito de estufa e potencia a formação de vapor de água e de ozono (O3) na troposfera, principalmente nas zonas poluídas, com compostos orgânicos voláteis, aumentando a severidade da doença da asma, (o ozono sendo um oxidante forte poderá criar lesões nas vias respiratórias). Nos Estados Unidos 100000 mortes estão associados a fenómenos de poluição atmosférica e o aumento do ozono troposférico associado ao aumento do índice de partículas levará a um acréscimo de mais 20000 mortes ano. Os óxidos de azoto (NOx) são também um dos percursores do ozono que é sensível à temperatura, e é influenciado pelas alterações climáticas, contribuindo para um aumento da concentração de ozono (O3) na troposfera, em associação com os compostos orgânicos voláteis (VOC) e o aumento do índice de partículas PM10 e PM2,5, potenciam a ocorrência de doenças respiratórias (asma, bronquite e cancro pulmonar) e doenças cardiovasculares.

O dióxido de carbono (CO2) favorece a estabilidade associada à humidade e à presença de PM2,5 (partículas inferiores a 2,5μ), em virtude da temperatura do ar aumentar mais do que ao nível do solo, aumenta a estabilidade, diminui a turbulência, a velocidade do vento é menor e a dispersão é reduzida, potenciando os fenómenos de poluição atmosférica.

Na União Europeia 370000 pessoas morrem prematuramente devido aos fenómenos de poluição atmosférica, que principalmente agravam as doenças crónicas respiratórias e as cardiovasculares, aumentando a taxa de morbilidade e mortalidade.

Os poluentes atmosféricos que mais contribuem para a mortalidade são as partículas PM10 e PM2,5 e os níveis de ozono troposférico, os quais são potenciados pelos fenómenos de alteração climática, que influenciam a dispersão atmosférica e a diminuição da qualidade do ar.A poluição atmosférica está associada à diminuição da função pulmonar, potenciando as infecções respiratórias (asma, bronquites crónicas, etc.), sendo os principais grupos de risco as crianças, os idosos e os doentes crónicos. As alterações climáticas levam a alterações na quantidade, qualidade e distribuição do pólen, já que o dióxido de carbono (CO2) potencia a sua formação, o que levará a um aumento da ocorrência de fenómenos alérgicos.

Apesar da espessura da camada de ozono na estratosfera não estar directamente associada às alterações climáticas, tem tendência a diminuir, em virtude da emissão dos CFC (cloro flúor carbonetos) permitindo a passagem dos raios ultra violetas que são prejudicais à saúde, prevendo-se o aumento dos cancros de pele e o aumento de cataratas e de cegueiras.
Nos Estados Unidos consta-se que 39% das emissões de dióxido de carbono (CO2) estão associadas a residências e edifícios comerciais, contribuindo o sector dos transportes com 33% (60% é de veículos pessoais) e a indústria com 28%. Em Portugal 28% das emissões de dióxido de carbono (CO2) estão associadas ao sector de produção e transformação de energia e 23% ao sector dos transportes.

Os vectores de agentes que provocam doenças (insectos, roedores, mosquitos, etc.) reagem às alterações da temperatura, humidade relativa e precipitação, que podem alterar quer o seu ciclo de vida quer o ciclo de vida dos agentes patogénicos que transportam. O aumento dos períodos quentes em detrimento do Inverno pode levar a alterações do seu habitat e da sua distribuição geográfica.As doenças transmitidas por vectores têm tendência a aumentar, salientando-se as seguintes:

  • A malária (transmitida por mosquitos do género Anopheles infectados por parasitas do género Plasmodium), afecta entre 350 a 500 milhões de pessoas em todo o planeta e provoca mais de 1 milhão de mortes, principalmente crianças. O mosquito e o seu parasita são sensíveis à temperatura (o mosquito sobrevive entre os 10ºC e os 40ºC e o parasita mantém-se activo entre os 15ºC e os 35ºC);

  • O Dengue transmitido por um mosquito do género Aedes infectado pelo vírus do Dengue tem tendência a aumentar, prevendo-se que a população exposta ao Dengue e à Malária aumente até 25% no Continente Africano até 2100;

  • A febre-amarela, transmitida principalmente pelo mosquito Aedes aegypti infectado por um vírus do género Flavivírus tem causado uma taxa de mortalidade no mundo inteiro, principalmente Continente Africano, Ásia e América do Sul;

  • A febre do Nilo Ocidental, transmitido por mosquitos infectados (de espécies do género Anopheles, e do género Culex) por um flavivírus. As alterações climáticas podem vir a determinar taxas mais elevadas de prevalência desta doença.

  • As Leishmaniases têm tendência a aumentar. Os protozoários causadores desta patologia são transmitidos a partir de reservatórios animais aos seres humanos, pela picada das fêmeas de insectos do género Phlebotomus e Lutzomya, sendo os cães e as raposas os principais reservatórios;

  • A Doença de Lyme, transmitida por artrópodes do género Ixodes, apresenta uma maior incidência nos países do centro da Europa (Áustria e Eslovénia);

  • Algumas doenças tropicais como o Chikungunya transmitida principalmente por mosquitos do género Aedes, apareceram agora na Europa, em Itália.

  • Vários vectores de agentes que provocam a doença influenciam o risco de transmissão destas doenças, incluindo a actividade do vector adulto e o grau de infecciosidade do agente patogénico nos vectores e reservatórios.

As alterações climáticas têm um efeito positivo na diminuição da taxa de mortalidade devido ao frio (hipotermia).

Existem também efeitos psicológicos pós-traumáticos associados aos efeitos meteorológicos extremos, como a perda de bens associados a cheias, secas, incêndios, ou à perda de entes queridos.

Do ponto de vista económico o relatório Stern prevê grandes perdas, como a diminuição das colheitas agrícolas, ocupação de áreas pela subida do nível do mar, grande parte das zonas costeiras estariam em risco, apontando que o investimento actual de 1% do PIB mundial, representaria evitar a perda de 20% do PIB mundial nos próximos 50 anos, a expansão das áreas áridas devido à seca pode representar a perda de 26 biliões de dólares na perda de culturas.

Fonte: A Protecção da Saúde dos Efeitos das Alterações Climáticas, Paulo Diegues, Claudia Weigert, Vítor Martins, Direcção Geral da Saúde (http://www.dgs.pt/)

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